Petróleo já não serve de colateral no financiamento de Angola com a China
O Governo angolano considerou que a relação financeira com a China, principal credor de Angola, mudou e o petróleo deixou de ser usado como garantia dos empréstimos, que vão passar a ser realizados em condições “mais vantajosas”.
Em entrevista à agência Lusa, o secretário de Estado para as Finanças e Tesouro angolano, Ottoniel dos Santos, falou sobre a necessidade de continuar a fazer uma “gestão criteriosa” da dívida face às incertezas do mercado.
“Será necessário que todos os agentes do mercado estejam muito atentos para perceber quais as oportunidades que haverá para fazer uma emissão (…). O ideal será fazer uma gestão tão criteriosa como possível, para não ser necessário recorrer ao mercado em condições tão agrestes”, afirmou.
Para financiar o Orçamento Geral do Estado (OGE) “e todos os projetos importantes que o Estado angolano tem”, Angola está a falar com todos os seus parceiros, incluindo a China, para “poderem apoiar os esforços de diversificação da economia e a construção e implementação de projetos que estão associados à estratégia de crescimento da economia”.
Sobre a relação financeira com a China – com quem foi firmado um novo empréstimo de 231 milhões de euros na semana passada, sob a forma concessional, para financiar projetos de banda larga – considerou que os dois países, que celebram, em 2023, 40 anos de relações diplomáticas, estão numa nova fase.
“Este empréstimo com a China, podemos dizer que é o inaugurar de uma avenida que nós pensamos que pode ser de sucesso, tanto para a China, como para Angola”, disse à Lusa Ottoniel dos Santos, salientando que se trata de um crédito concessional.
O secretário de Estado disse que “as condições de um crédito com esta tipologia são extremamente vantajosas” para Angola, sendo a primeira vez que a China vai fazer com o país africano um crédito nestas condições “que preveem prazos até 20 anos e taxas de juro abaixo das praticadas no mercado”.
O governante não revelou, no entanto, o juro que será aplicado e que será ainda alvo de negociação.
“É um crédito que não está associado à produção de petróleo, não tem o petróleo como colateral, vamos virar de facto uma página para que possamos ter nas relações Angola-China mecanismos que estejam, do ponto de vista financeiro, alinhados com a estratégia dos dois países”, acrescentou.
Ottoniel dos Santos abordou ainda o tema da dívida verde, “um caminho novo” que Angola quer trilhar.
“Queremos focar-nos no bem-estar das pessoas. Estas dívidas que estão associadas aos compromissos de sustentabilidade e governança ajudam-nos a definir estratégias para captar financiamento para projetos associados a esta tipologia de despesa. Queremos terminar todo o trabalho preliminar para, findo este processo, começar a fazer as emissões”, indicou, sem se comprometer com prazos.
O Orçamento Geral do Estado (OGE) prevê uma despesa de 45% para o serviço da dívida – inferior aos 55% previstos no orçamento de 2022 – tendo em conta a melhoria das condições e a ”gestão criteriosa” da dívida pública, destacou.
“No seguimento da estratégia de endividamento o foco é na estabilidade e em encontrar financiamento com prazos mais longos”, prosseguiu.
Sobre o endividamento autorizado pelo Presidente da República, João Lourenço, para financiar obras públicas e outros projetos, Ottoniel dos Santos afirmou que tudo é feito de acordo com as regras definidas pelo Estado angolano.
“Estes atos (decretos presidenciais) são públicos e todos os projetos são financiados com base no limite que existe no OGE para executar essas obras, por exemplo, as que estão inscritas no Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) e quando necessário é pedida intervenção do titular do poder executivo para que possa autorizar o financiamento”, sublinhou.
O secretário de Estado disse que os processos de dívida “são engajados num exercício económico e levam dois a três anos para serem desembolsados”, já que um projeto normalmente não é executado no mesmo exercício económico, justificando desta forma que surjam várias vezes nos OGE ao longo da sua execução.
Quanto à necessidade de limites ao endividamento, o governante lembrou que a lei das finanças públicas já prevê um rácio da dívida que limita a dívida a 60% do PIB, pelo que o gestor que avaliar “os projetos por financiar deve fazer essa análise”.
Em 2020, a dívida angolana estava nos 130% do PIB, mas reduziu-se em 2021 para 86% e deve ficar abaixo dos 57% em 2022.
“Há espaço e há condições para que, continuando com rigor e disciplina, possamos começar a passar para a economia real o bem-estar que os indicadores apresentam”, frisou o responsável.