Rwanda e RDC aguardam resultados da mediação angolana
As atenções no Rwanda e na República Democrática do Congo (RDC) vão continuar viradas para os resultados da mediação angolana, após as últimas negociações sobre a crise entre os dois países vizinhos da África Central.
O chefe de Estado angolano e medianeiro da União Africana (UA) na crise entre o Rwanda e a RDC acaba de concluir mais uma ronda de conversações com estes dois países sobre as vias de pôr termo à cíclica instabilidade no Kivu-Norte, no leste congolês.
João Lourenço deixou Kinshasa, no final da tarde de sábado, 12, no termo de conversações directas com o seu homólogo da RDC, Antoine Tshisekedi, pouco depois de visitar o Rwanda, onde também se entrevistou com o Presidente Paul Kagamé.
No balanço feito à imprensa, em Kinshasa, o ministro angolano das Relações Exteriores, Téte António, explicou que os dois encontros serviram para o medianeiro propor iniciativas para impulsionar a implementação do processo de paz sobre o leste congolês, acordado em Luanda, em Junho de 2022.
Não foram dados pormenores do conteúdo das sugestões apresentadas, muito menos da reacção dos seus destinatários, por imperativos da própria natureza do papel de mediador que, segundo Téte António, consiste em “procurar resultados e não entrar em detalhes”.
O chefe da diplomacia angolana indicou, contudo, que as propostas apresentadas visam introduzir alterações ao Roteiro de Paz de Luanda, na sua modalidade prática, para adaptá-lo à evolução da situação no terreno, marcada pelo agravamento da tensão entre os dois países e intensificação de confrontos com o M23.
Esclareceu que não se trata de elaborar um novo projecto mas introduzir impulsos no dispositivo já existente para adequá-lo aos novos desenvolvimentos num conjunto de propostas concretas a serem analisadas pelas partes e chegar a uma conclusão.
Disse haver um “denominador comum” em que todos concordam que o Roteiro de Luanda é a saída enquanto processo político reconhecido aqui na região e pelo Conselho de Segurança da ONU e a ser implementado em paralelo com o processo de Nairobi sobre o desdobramento de uma força regional na RDC.
Por seu turno, o seu homólogo congolês, Christophe Lutundula Apala, afirmou que todos os intervenientes no processo estão engajados em prosseguir os esforços para concretizar os objectivos inscritos no Roteiro de Paz de Luanda.
Apala enalteceu a abnegação do Presidente João Lourenço no cumprimento da missão que lhe foi confiada pela UA de promover o diálogo e levar a bom porto o processo negocial com vista à pacificação da região leste da RDC e dos Grandes Lagos.
Acontece que, desde a adopção do Roteiro de Luanda, em Junho de 2022, tudo parecia caminhar na boa direcção para o fim do conflito e a normalização das relações entre o Rwanda e a RDC, dois países-membros da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), presidida por Angola.
De repente, a situação no terreno evoluiu para uma reviravolta assimilável ao regresso à “estaca zero”, fazendo “tábua rasa” ao Roteiro de Luanda.
O resultado foi a progressão dos rebeldes do Movimento 23 de Março (M23) até lançarem o assalto a mais duas cidades estratégicas da província do Kivu-Norte, designadamente Kiwanja e Rutshuru que passaram ao seu controlo.
Na sua reacção, as autoridades congolesas retaliaram com a expulsão do embaixador rwandês, Vincent Karega, com o argumento de que o seu país presta apoio logístico e militar ao M23.
Para as autoridades de Kinshasa, o alegado apoio rwandês terá contribuído para a queda daquelas duas localidades da província do Kivu-Norte, o que fez subir a tensão entre os dois países.
De acordo com o ministro Téte António, esse cenário obrigou o mediador a propor a adaptação do Roteiro de Luanda à nova realidade surgida na fronteira comum entre o Rwanda e a RDC.
A RDC acusa o Rwanda de instrumentalizar o M23 com “tendências expansionistas” para se apropriar dos recursos minerais congoleses.
A nova escalada de tensão surge numa altura em que vai ganhando corpo na opinião pública nacional congolesa a crença numa segunda “mão invisível”, que estaria a actuar internamente a favor do virtual projecto de desestabilização da RDC juntamente com forças externas.
Muito recentemente, essa ideia consolidou-se com uma denúncia pública e ameaças expressas de retaliação vindas do próprio Presidente Tshisekedi.
As autoridades congolesas nunca esconderam as suas suspeitas de casos de traição à pátria pelos próprios filhos no conflito que os opõe ao vizinho Rwanda, mas a denúncia nunca antes tinha sido assumida publicamente e de forma tão contundente.
Num discurso televisivo, Tshisekedi dirigiu uma advertência severa aos que ele apelidou de “traidores” pró-M23, quando, segundo ele, o país vive um contexto de “agressão e ocupação” de territórios por este grupo, “com o “apoio comprovado” do Rwanda.
Avisou a “todos os traidores e outras maçãs podres que servem os interesses do inimigo que ficarão expostos ao rigor da lei, tendo o justo castigo que este tipo de comportamento merece”.
Deplorou que, apesar de muito investimento e esforços feitos, o país continua sem paz nem segurança, pelo que reiterou o seu compromisso constitucional de defender a Pátria “até ao sacrifício supremo”.
Pouco antes, Tshisekedi reestruturou a hierarquia militar do país com a exoneração, a 03 de Outubro passado, do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Congolesas (FARDC), general Celestin Mbala Musiense, substituindo-o pelo tenente-general Christian Tshiwewe Songesha.
Este último era até então comandante da Guarda Presidencial e chefe da Casa de Segurança da Presidência da República, que passou a ter como adjuntos os generais Ishale Gonza Jacques e Léon-Richard Kasonga, antigo porta-voz militar.
Há ainda o caso das prisões do seu conselheiro para a Segurança Nacional, François Beya, detido em Fevereiro de 2022, e do comandante das frentes Norte e Leste, Filemon Yav, interpelado em finais de Setembro pelos Serviços de Inteligência Militar.
Sabe-se que Beya é acusado de conspirar contra a vida ou a pessoa do chefe de Estado, com a alegada cumplicidade de outros oficiais das Forças Armadas e da Polícia Nacional.
Entre estes inclui-se o coronel Cikapa Tite, o tenente-coronel Pierre Kalenga, o comissário superior principal Lily Tambwe, o brigadeiro Tonton Twadi Sekele (em fuga) e Guy Vanda Nowa.
François Beya, que evoluiu durante muitos anos nos Serviços Secretos do marechal Mobutu, foi director da Direcção-Geral de Migração (DGM) no regime de Joseph Kabila (2001-2019).
Em seguida foi nomeado conselheiro para a Segurança do Presidente Tshikedi, eleito em Dezembro de 2018.
Um outro caso está relacionado com a prisão, também em finais de Setembro de 2022, do chefe das operações das Forças Armadas no Leste da RDC, Philemon Yav Irung, suspeito de “alta traição”.
Antigo rebelde catanguês e muito próximo do Presidente Joseph Kabila, o general Yav “Tigre” é acusa de manter contactos com o general Kabarebe, actual conselheiro de Kagamé para os Assuntos de Segurança, com planos para facilitar a entrada do M23, em Goma, capital provincial do Kivu-Norte.
Kabarebe, que foi chefe do Estado-Maior General das FARDC no Governo de Laurent Désiré Kabila (1997-2001), depois do derrube de Mobutu (com a ajuda de Angola, Burundi, Rwanda e Uganda), foi ministro da Defesa do Rwanda, de 2010 a 2018.
Pressão externa sobre Rwanda
Em finais de Outubro passado, os Estados Unidos pediram que Rwanda cessasse de apoiar o M23 cujos ataques teriam matado mais de dois mil civis este ano.
O apelo dos Estados Unidos, lançado pelo seu representante na ONU, Robert Wood, seguiu-se ao anúncio, em Agosto do mesmo ano, do conteúdo de um relatório confidencial de peritos onusinos que “confirma” o apoio rwandês aos rebeldes do M23.
O documento refere que o Exército rwandês teria intervindo no leste da RDC contra grupos armados, mas também em apoio de outros rebeldes activos na região, como o Movimento 23 de Março (M23).
O relatório transmitido ao Conselho de Segurança da ONU dá conta de “intervenções militares” do Rwanda também contra posições das Forças Armadas Congolesas, desde Novembro de 2021.
Mas o Rwanda sempre negou todas as alegações de apoio ao M23, acusando, por sua vez, a RDC de apoiar rebeldes rwandeses baseados no leste do Congo, enquanto “negligencia” a integração e demais direitos dos militares deste grupo, acordados em 2013.
Em relação ao relatório de peritos das Nações Unidas, o Governo rwandês pediu ao Comité de Sanções do Conselho de Segurança da ONU que desconsiderasse o documento por conter “muitas falhas”.
Para o Rwanda, as alegações nele contidas “não têm nenhuma relevância” e podem minar os esforços regionais de restabelecer a paz na volátil região leste do Congo, rica em recursos naturais.
O M23 retomou as hostilidades no final de 2021, acusando as autoridades congolesas de não respeitar os acordos de paz alcançados, em 2013, depois da derrota da sua por tropas congolesas apoiadas por uma força internacional.