“O verdadeiro artista nasce artista”
Óscar Ribas é tido como uma das figuras mais brilhantes da intelectualidade angolana do século XX, devido aos seus estudos “aprofundados” sobre a cultura nacional, defende a embaixadora da Fundação com o nome do defunto escritor e etnólogo, Márcia Dias, em entrevista.
Por Elisabeth Cadete
Em entrevista à ANGOP, a criativa atesta que os angolanos recordam Óscar Ribas como “aquele que (…) transpôs as barreiras da deficiência visual e redescobriu a cultura angolana”.
Sobre o mundo das artes, onde vem ganhando terreno com varias conquistas, a embaixadora da Fundação Óscar Ribas assegura: “O verdadeiro artista nasce artista”.
E, entre depoimentos e conselhos, reforça que inspiração, criatividade e sonhos, a mistura com disciplina, trabalho árduo e determinação, são o caminho certo para o sucesso no mundo das artes.
Leia a íntegra da entrevista:
ANGOP – Quem é Márcia Dias?
Márcia Dias (MD) – Artista, mãe, amante da vida, sonhadora e realista em doses equilibradas, também apaixonada pela beleza da natureza; sou uma artista que sente e vive a energia positiva do Sol, como fonte de vida, luz e calor, que me inspira e se reflecte na minha personalidade; sou uma mulher exuberantemente calorosa, mas de uma simplicidade real.
Quando foi que descobriu o “bicho” da arte?
A paixão pela arte nasceu cedo. Na altura residia na Suécia, depois de uma visita a uma galeria de arte, achei fascinante toda aquela envolvência e sintonia de cores e disse: É isto que quero fazer! Frequentei vários cursos para aprender várias técnicas de pintura. Dediquei-me e vivi para a arte. Hoje, o meu currículo conta com dezenas de exposições individuais e colectivas, em diversos países, ao longo dos meus 20 anos de carreira.
Que técnicas mais usa e o que mais gosta de retractar nas suas obras?
O espatulado (com espátula). A maioria das minhas obras é a óleo. Atrai-me profundamente o quotidiano, numa mistura poderosa entre imagens e sentimentos, procuro levar às telas os pequenos detalhes desse quotidiano, como se observasse a realidade através de uma tela.
O mercado português tem espaço para os criadores angolanos? A Márcia já conquistou o seu espaço em Portugal?
Estamos numa fase de transição enorme, a globalização, as novas técnicas ligadas, em especial, a comunicação trazem abordagens ao comportamento social e económico com uma rapidez que, claro, cria um sentimento de inquietação e instabilidade em relação ao futuro. O mundo das artes está completamente envolvido nessa mudança: Galerias, artistas, atitude comportamental e económica.
Muito sinceramente, é um mercado a explorar, que exige persistência e muita audácia. Estou na luta e o dia-a-dia determina o espaço que ocupamos na vida pessoal e profissional.
Dos trabalhos produzidos ao longo da sua carreira, tem algum que lhe tenha marcado? Se sim, porquê?
O retrato do Presidente de Angola. Porque não é todos os dias que recebemos um pedido dessa natureza.
Em 2017 ofereceu esse quadro ao Presidente João Lourenço. O que a motivou a pintar o quadro?
Foi a convite do Consulado de Lisboa. Foi sem dúvida um momento histórico na minha carreira artística, o facto de ter recebido o honroso convite do Consulado Geral da República de Angola, na pessoa de Mário Silva, na altura vice-cônsul em Lisboa, para pintar o retrato do Presidente da República de Angola, João Lourenço, no âmbito da sua visita de Estado a Portugal.
A sensação foi de uma felicidade enorme e de grande reconhecimento ao meu trabalho.
Quanto tempo leva a pintar um quadro e o que a inspira?
Tudo depende do tamanho da obra e do que nela será inserido. Mas, normalmente, levo um mês para realizar um trabalho.
Em 2019, foi a vencedora do concurso Art Index Dubai, tendo recebido a medalha de ouro. Fale-nos um pouco do evento.
Viva Angola! Fui convidada por uma Galeria da Noruega, para participar num programa de intercâmbio cultural e representar Angola num concurso de arte, no Dubai. Angola destacou-se com a medalha de Ouro pela obra “Mumuila” (dimensão 80/80), Óleo sobre tela, estava em exposição no Word Trade Center, num Salão Premiado, no Dubai.
Dediquei a medalha de Ouro à minha filha Catarina Dias. Ela sabe o quanto foi difícil ter chegado até aqui, no entanto, nunca deixou de acreditar em mim e de me apoiar incondicionalmente.
Ainda este ano, conquistou um segundo lugar num outro evento. Qual é o seu segredo?
Foi no âmbito do mesmo concurso de 2018; foi um intercâmbio Cultural, onde vários artistas internacionais representaram os seus países e mostraram o seu talento além-fronteiras. Eu, mais uma vez, fiquei com um honroso segundo lugar.
Como pensa que os seus concorrentes directos a encararam após essas conquistas?
No meio artístico, principalmente em competição, sente-se alguma inveja, pessoas que pensam pequeno e torcem contra quem está em destaque, no pódio, muitos nem nos dão os parabéns.
É, actualmente, a embaixadora da Fundação Óscar Ribas. O que tem feito para a divulgação da instituição e como é ser embaixadora de uma instituição filantrópica que funciona num país diferente daquele onde reside?
Foi com agrado e satisfação que recebi o convite para ser embaixadora da Fundação. O principal objectivo é a divulgação das acções da Fundação, expandir e enaltecer, além-fronteiras, o legado de Óscar Ribas.
Os angolanos recordam aquele que é considerado o maior vulto da intelectualidade angolana do século XX, um homem que transpôs as barreiras da deficiência visual e redescobriu a cultura angolana.
Óscar Bento Ribas é tido como uma das figuras mais brilhantes da intelectualidade angolana do século XX devido aos seus estudos aprofundados sobre a cultura nacional.
Que avaliação faz do mundo da cultura angolana, particularmente, das artes plásticas?
A cultura angolana é muito rica e diversificada, manifesta-se em diferentes áreas e é cada vez mais notável e dignificada, não só em Angola, como além-fronteiras, através de notáveis artistas, em diversas áreas. Angola é uma terra cheia de potencial artístico e com muito, ainda, por descobrir.
As novas gerações têm seguido o exemplo dos artistas veteranos?
O verdadeiro artista nasce artista, não se fabricam artistas. Todo artista é um criador independente, com a sua inspiração e estilo. Acredito que, ao longo do tempo, possam aperfeiçoar outras técnicas e alguma inspiração de outros artistas.
Que mensagem deixa a quem quer abraçar a carreira artística?
Para os novos artistas digo que o sucesso depende, de 50% de inspiração, criatividade e sonhos e 50 % de disciplina, trabalho árduo e determinação. “São duas pernas que devem caminhar juntas”.
Acreditar sempre no seu potencial e nunca desistir dos seus sonhos. Participar num concurso de arte é sempre uma responsabilidade, a constatação da nossa ligação ao mundo social que nos rodeia; é sempre um reconhecimento, uma motivação para continuar e faz-nos sentir que estamos a fazer o certo quando traz reconhecimento.
O meu trabalho está completamente envolvido com a minha pessoa. O caminho não acabou, segui-lo-ei enquanto for possível viver e fazê-lo.
A propósito, já é possível um artista plástico viver dos rendimentos da profissão, em Portugal?
Penso que seja possível viver inteiramente da arte. Ultimamente, os artistas têm conseguido a sua independência financeira através da arte. Actualmente, tudo é mais fácil com as ferramentas do marketing digital, conhecimento e empreendedorismo. Muitos artistas têm conquistado a sua independência financeira e, inclusive, estão a mostrar como é possível viver da sua arte.
O que faz além das artes plásticas?
Neste momento vivo para a arte, não desenvolvo nenhuma actividade paralela. Mas, já trabalhei na Casa de Angola em Portugal, como directora artística, onde fazia a curadoria das exposições.
Sente-se realizada?
É essencial compreender e perceber os nossos valores e até onde queremos chegar; os aspectos do mundo interno, reflectidos nas dificuldades. Sim, estou realizada. Temos capacidades de atingir qualquer objectivo. Basta estarmos dispostos a dar o nosso melhor, com foco, comprometimento, responsabilidade, disciplina, coragem e o mais importante é colocar um prazo para a realização das coisas.
Perfil
Radicada há 20 anos em Portugal, depois de ter vivido algum tempo na Suécia, Márcia Dias saiu de Angola depois de ter terminado o liceu.
Já apresentou trabalhos em várias cidades europeias, como Barcelona (Espanha) e Paris (França).
Em 2019, venceu a “Medalha de Ouro” do Concurso Arte Index Dubai, com a obra “Mumuila”, dedicada à filha Catarina Dias, que esteve em exposição no Word Trade Center, Salão Premiado, no Dubai.