O renascimento da palanca negra

A conceituada cadeia de televisão norte-americana CNN dedicou, a semana passada, uma reportagem ao esforço de conservação que as autoridades angolanas estão a empreender para a conservação da Palanca Negra, um dos símbolos de bandeira do país. Com adaptações, aqui reproduzimos, com a devida vénia, o artigo da autoria de Michelle Cohan.
Com os seus chifres compridos e rugosos e constituição musculada, a palanca negra gigante constitui uma visão majestosa e…rara.
Este antílope, apenas existente em Angola, no sudoeste de África, continua com a existência ameaçada, havendo somente uma população de apenas algumas centenas.
Embora a sua condição seja ainda crítica, a sua conservação, nos últimos anos, é uma história de sucesso, trazendo um animal quase extinto de regresso à vida.
Praticamente desaparecida com a guerra
A palanca negra gigante foi descoberta no início do século XX e tornou-se rapidamente no animal nacional de Angola. Contudo, devido aos seus impressionantes chifres, os antílopes tornaram-se depressa num alvo para os caçadores furtivos, refere o conservacionista angolano Pedro Vaz Pinto.
Em 1975, as coisas pioraram quando eclodiu uma guerra civil em Angola, na sequência da independência face a Portugal. Durante os 27 anos que se seguiram, o conflito devastou a vida selvagem do país e a palanca negra gigante não foi excepção. A guerra fez com que surgisse uma caça furtiva intensiva para a obtenção da carne e dos cornos do animal. A perda de habitat e a falta de medidas de conservação agravaram o problema. “Inicialmente, ninguém sabia se a palanca negra gigante tinha sobrevivido à guerra civil”, afirma Vaz Pinto.
Biólogo, apaixonado pela vida selvagem e com um passado de investigação de campo em África, Vaz Pinto começou por se interessar pela situação da palanca negra gigante simplesmente porque mais ninguém se debruçava sobre o assunto, diz à CNN. “Demorou anos até me sentir completamente comprometido com o tema. Depois não havia volta a dar”, revela.
Missão de reconhecimento
Em 2003, após o fim da guerra, Vaz Pinto organizou uma pequena equipa para investigar se ainda existiam palancas gigantes.
Transportados numa carrinha, percorreram o Parque Nacional da Cangandala, no norte do país, onde os habitantes locais tinham relatado avistamentos do antílope. Uma vez lá chegada, a equipa instalou câmaras numa área de 630 quilómetros quadrados.
Um ano mais tarde, as suas fotografias provariam que existia de facto uma pequena população destes animais. No entanto, como Vaz Pinto viria a descobrir mais tarde, esta população era toda constituída por fêmeas. “Demorou algum tempo a perceber e a aceitar a realidade do que estava a acontecer. Diante dos nossos olhos, encontrava-se um fenómeno de extinção”, adiantou. “Precisávamos, a todo o custo, de encontrar um macho.”
Precisa-se de macho!
Pouco tempo depois, Vaz Pinto criou o Projecto de Conservação da Palanca Negra Gigante para dar início à protecção da espécie, aumentando a sua população.
Sem dados concretos, apenas com um pressentimento, Vaz Pinto e a sua equipa viajaram para a Reserva Natural Integral do Luando, um habitat remoto e rico em biodiversidade onde se sabia que viviam palancas gigantes.
Em 2009, através do ADN recolhido em amostras de excrementos, identificaram pelo menos um macho nessa na reserva. Vaz Pinto e a sua equipa embarcaram num helicóptero para iniciar a busca, decidindo concentrar-se no local onde a amostra foi recolhida. “Foi assim que encontrámos um macho”, recorda. “E acrescenta: Nos dias seguintes, encontrámos mais seis.”
Um dos machos foi transportado de helicóptero para Cangandala e colocado num santuário vedado com as fêmeas para incitar a reprodução.
Ainda em perigo
Actualmente, o santuário da Cangandala tem uma população de cerca de 100 animais, refere Vaz Pinto, assegurando que este número está em crescimento. A sua equipa também monitoriza a população selvagem que resta no Luando através de colares com GPS e drones. “A área ainda está sob uma enorme pressão de caça furtiva”, esclarece Vaz Pinto. “Restam-nos cinco manadas de palancas negras, por isso tentamos mantê-las sempre com um colar GPS activo para podermos dar alguma protecção a essa área.”
Antes da independência de Angola, a população de palanca negra gigante estava estimada em cerca de 2.000 a 2.500 animais. A reposição a esse nível levará tempo. “Penso que poderíamos estabelecer um objectivo a curto e médio prazo de recuperar os animais para 500, e talvez a médio e longo prazo para 1.000, 1.500”, diz Vaz Pinto.
Vaz Pinto orgulha-se de ter trazido o animal do limiar da extinção para os números de hoje mas mantém-se cautelosamente optimista quanto à sua evolução. “É inegável que fizemos muitos progressos, mas se pararmos, se não fizermos nada, pode ir tudo por água abaixo.”
Educação ambiental muito necessária
Vaz Pinto é também o director da Fundação Kissama, uma ONG que se dedica à conservação da vida selvagem e à educação ambiental em todo o país. O seu colega Vladimir Russo afirma que ensinar as populações locais e as gerações mais novas sobre a importância da vida selvagem é uma parte fundamental para ajudar a conservar não só a palanca negra gigante, mas todas as espécies.
“Tentamos sensibilizar as pessoas através de workshops, trabalhamos com as comunidades, com diferentes instituições e produzimos uma série de materiais, desde cartazes, folhetos, livros e jogos”, diz Russo.
Vaz Pinto gostaria de dar a todos os angolanos a oportunidade de ver de perto uma palanca negra gigante. “É uma experiência muito forte. Observo que as pessoas quando veem o animal
ficam muito mais sensibilizadas sobre a necessidade de o proteger e compreendem os esforços ambientais que estamos a fazer”, diz.
No futuro, acredita que a gestão, o financiamento e a formação são necessários para continuar a restaurar a população de palanca negra gigante. “É um pouco como uma montanha-russa, com muitos contratempos, mas também com muitas conquistas”, afirma. “Espero realmente que o que estamos a fazer com a palanca negra gigante seja replicado a uma escala maior para todo o país.”