Há 400 anos Nova Iorque nasceu com o trabalho de angolanos

No ano em que se comemoram 400 anos da fundação da grande cidade de Nova Iorque, a mais cosmopolita dos Estados Unidos, o serviço português da Voz da América (VOA) publicou um texto de investigação sobre os escravos angolanos que participaram na edificação da cidade. Aqui reproduzimos com a devida vénia.

Em Janeiro de 1641 o angolano Manuel de Gerrit de Reus van Angola escapou milagrosamente à morte quando a corda para o enforcar se quebrou no momento em foi empurrado de uma longa escada perante centenas de pessoas que se tinham concentrado para assistir à sua execução na então colónia holandesa de Nova Amsterdão, hoje Nova Iorque.

Manuel van Angola, escravo trazido de Angola, havia sido condenado à morte pelo assassinato de um outro escravo e o seu nome está ligado para sempre, juntamente com muitos outros escravos angolanos, à história de Nova Iorque.

Capturados a navios esclavagistas portugueses e espanhóis

Com efeito, quando em 1624 os holandeses se fixaram no que é hoje Nova Iorque, rapidamente depararam com o problema de falta de mão de obra e, dois anos depois, Manuel e vários escravos da região do que é hoje Angola (conhecida pelos esclavagistas como África Central Ocidental) chegaram ao território em navios de corsários que provavelmente os capturaram em navios esclavagistas portugueses ou espanhóis a caminho das Caraíbas ou América do Sul.


Os escravos foram entregues à Companhia Holandesa da Índias Ocidentais que depois os distribuiu pelo pequeno território de acordo com as necessidades do colonato e dos colonos.

O seu trabalho consistia em participar nas colheitas, limpar mato, ajudar na construção do muro que protegia o colonato de possíveis ataques ao longo do que é hoje a famosa Wall Street (Rua do Muro).

A conhecida Broadway, a vasta avenida que atravessa quase toda a ilha de Manhattan, foi iniciada nesse tempo provavelmente por escravos angolanos, revelam alguns historiadores.

Manuel trabalhou durante bastante tempo para um dos primeiros colonos da zona Gerrit Teusen de Reus, e daí ter ficado registado com esse nome holandês como era prática comum na época. Reus em holandês significa “gigante” e Manuel era também conhecido por Reus Manuel devido ao seu grande porte físico o que mais tarde iria causar confusão aos historiadores devido ao nome de um outro angolano “Groot” Manuel (Grande Manuel).

Cinco hectares em Washington Square Park

Em Janeiro de 1641 um escravo da companhia, Jan Premero, foi encontrado assassinado e nove outros escravos, incluindo Manuel, disseram ser responsáveis pela morte de Premero. Contudo, nenhum deles confessou a autoria material dos golpes mortais na crença certa de que a companhia nunca iria executar nove dos 30 escravos que possuía.

O Conselho Provincial decidiu então tirar à sorte quem seria executado pelo crime e Manuel foi o escolhido para depois escapar milagrosamente à execução o que o Conselho considerou ser “um acto de Deus” perdoando todos os noves escravos.

Três anos depois de ter escapado à morte, juntamente com dez outros escravos, Manuel fez uma petição pedindo a sua libertação numa altura em que a colónia se encontrava envolvida numa guerra contra duas tribos locais.

Os escravos jogaram um importante papel na defesa do colonato e a petição foi aceite pelas autoridades. Manuel van Angola recebeu cinco hectares de terra perto do que é hoje Washington Square Park.

Os registos indicam propriedades concedidas a outros escravos libertados na altura, incluindo “Groot” Manuel, Manuel Trompetista e Simon Congo.

Mesmo nome gera confusão

Os registos coloniais indicam o grande número de angolanos entre esses primeiros escravos de Nova Iorque, nomeadamente António Português, Manuel Minuit, Groot Manuel, Domingo Angola, Paulo D’Angola, Gracia d’Angola (talvez confusão com Garcia), John d’Angola, Jacom Anthoney Angola, Andries van Angola, Clein António van Angola que casou com Catalina van Angola e Lucie d’Angola.

Como esses dois nomes indicam, entre os escravos trazidos de Angola encontravam-se também mulheres. Por exemplo, “Groot” Manuel também conhecido por Emanuel de Angola, casou com Cristina van Angola e teve um filho Philip.

A escravatura que vigorava em Nova Amsterdão obedecia a regras diferentes daquelas que viriam a ser impostas nas colónias inglesas no sul do que é hoje os Estados Unidos. Manuel casou e podia também possuir gado e ter a sua própria actividade agrícola.

No ano de 1639, mesmo antes de ser libertado, Manuel de Reus compareceu em tribunal num caso contra o colono Henric Frederickesn van Bunnick que lhe devia dinheiro por trabalho executado e, quatro anos depois, Manuel de Reus e Groot Manuel compareceram em tribunal como testemunhas de um caso envolvendo um outro angolano, Clein Manuel (“Pequeno” Manuel) que acusou o colono, Jan Sellis, de ter esfaqueado uma das suas vacas. Os dois casos foram decididos a favor dos queixosos.

Quando a Inglaterra tomou Nova Amsterdão, em 1664, Manuel de Reus era um dos 75 africanos livres a viveram no que é hoje Manhattan. O nome de sua mulher aparece apenas como “D’Angola”, sendo pai de Dominicus de Reus, Barber Manuel de Reus, Michiel de Reus, Elisabeth de Reus, Dominicus de Reus, Susana e Willem.

Pelo menos um dos seus filhos, Michiel, foi batizado pela Igreja Reformada Holandesa. A última referência ao seu nome surge num documento datado de 1674 que o menciona como um dos africanos livres a viver entre Fresh Water Pond e Harlem. Na altura deveria ter 65 anos de idade.

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