Cacau atinge preço não visto desde os anos 70

Comer chocolate, uma dos maiores prazeres mundanos, está a tornar-se cada vez mais caro em todo o mundo. Tudo porque os preços da sua matéria-prima, o cacau, dispararam nos mercados internacionais para níveis que não se viam desde os anos 70. Uma conjugação de factores contribuiu para isso: a produção vacilante (na África Ocidental, de onde provêm dois terços da colheita global consumida); a diminuição da existência, que atingiram o seu nível mais baixo em três décadas, e o avanço dos efeitos das alterações climáticas, que ameaçam as plantações com chuvas constantes.
No mercado de Londres, o local de referência mundial, os preços médios mensais de contratos de cacau atingiram este ano o seu nível mais elevado desde o final da década de 1970. “O gráfico dos preços traçou uma linha reta nos últimos dois anos, porque a oferta tem sido superior à procura”, afirma Jonathan Parkman, co-diretor de agricultura da Marex Financial, uma corretora de mercadorias do Reino Unido, citado pelo jornal espanhol “El Pais”.
Pandemia baixa vendas na Ásia, mas sobe na Europa e América do Norte
Após a eclosão da pandemia, o negócio dos produtos de base – cujo maior consumo é absorvido pelas empresas de chocolate – sofreu vários reveses. A crise sanitária interrompeu a disponibilidade de mão de obra, bem como de alguns factores de produção, como os fertilizantes e os produtos fitossanitários. A isto juntaram-se problemas logísticos para fazer chegar o cacau aos mercados mais consumidos: os EUA e a Europa. Apesar destes desafios, a produção expandiu-se em 2020 e atingiu um nível recorde, beneficiando os stocks.
Mas, tal como uma moeda, há quase sempre duas faces. No consumo de chocolate, a história foi diferente. “Em 2020, as vendas globais diminuíram 0,2% em valor”, afirma Margaux Lainé, consultora de investigação da Euromonitor International. A queda não foi generalizada em todas as regiões. Na Ásia-Pacífico e na América Latina, as vendas diminuíram, enquanto a América do Norte e a Europa Ocidental registaram um aumento.
A explicação é consistente. “Nos países asiáticos, 25% do chocolate é destinado a presentes e, devido ao confinamento, as vendas do produto diminuíram”, observa. Na Europa e na América do Norte, o consumo de chocolate registou um aumento devido ao confinamento. “Os consumidores estavam à procura de formas de se mimarem”, explica Lainé. E em 2021, o apetite estava a aumentar. O alarme da Covid-19, com o advento da vacina, tinha diminuído e muitas pessoas estavam mais inclinadas a reunir-se para celebrações, o que levou a um aumento das vendas de chocolates sazonais. “Os chocolates foram comprados para festividades como o Dia dos Namorados, a Páscoa e o Dia da Mãe”, diz o especialista da Euromonitor.
Guerra na Ucrânia gera incertezas
Depois, a Rússia invadiu a Ucrânia. E a incerteza quanto ao fornecimento de energia afectou sobretudo as indústrias de alguns países europeus. Este facto levou as empresas de chocolate a fazerem menos encomendas de cacau, pois viam um futuro sombrio. A situação, no entanto, não foi tão dura como se esperava. O Velho Continente resistiu ao corte do fornecimento de gás russo, que abastecia 40% do consumo da UE antes do conflito. Foi nessa altura que as empresas de chocolate começaram a exigir mais cacau, mas competiram por uma oferta que não podia ser satisfeita. “Nos últimos dois anos, registaram-se quebras globais na disponibilidade do produto”, afirma Pia Piggott, analista do banco holandês Rabobank. “E agora estamos possivelmente a caminhar para um terceiro ano”, acrescenta.
“A procura mundial de cacau ultrapassou a oferta”, explica Bill Weatherburn, economista de produtos de base da Capital Economics. Além disso, as colheitas na Costa do Marfim, o maior produtor mundial,
foram afectadas negativamente pelas fortes chuvas. “O tempo húmido também facilita a propagação de doenças, o que coloca a próxima colheita em maior risco”, acrescenta. A este cenário juntam-se as previsões meteorológicas que apontam para a ocorrência de um El Niño nos próximos nove meses, o que trará um tempo mais seco à principal zona de produção. “A oferta global de cacau é particularmente vulnerável a condições climatéricas adversas na África Ocidental, porque cerca de 75% da produção provém dessa região”, afirma Weatherburn. Os produtores também tiveram de lidar com o aumento dos preços dos fertilizantes, muitos dos quais são comprados à Rússia.
Chocolate não é só cacau
A combinação de factores está a amargar o mundo do chocolate. Na Europa, o aumento do preço dos chocolates (confeitaria, barras e pequenos snacks) foi de 13,3% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2021, segundo a NielsenIQ. Em Espanha, o aumento foi de 11%, superior ao da Itália (10,2%) e da França (10,3%). Nos EUA, o preço foi de 20,7%. “A inflação [em geral] contribui ainda mais para o aumento do preço”, diz Lainé. Porque nem tudo é cacau. “Quando se olha para o quanto o preço da amêndoa de cacau afecta o preço total da barra de chocolate, é cerca de 5% a 10%”, explica Parkman. “Embora seja importante, o seu aumento não é tão dramático como se poderia pensar”, afirma.
Uma barra não contém apenas esta matéria-prima. Basta olhar para a tabela do invólucro para ver que há também açúcar (cujo preço está em alta – o seu preço internacional está em máximos de 11 anos) ou trigo (que foi convulsionado pelo conflito armado na Europa, com a Rússia e a Ucrânia a representarem um quarto do comércio mundial). “A única coisa que baixou foi o preço do leite em pó”, contrapõe Piggott. O seu custo caiu quase 40% em relação ao recorde de Março de 2022, uma vez que a fraca economia chinesa reduziu a procura, ao mesmo tempo que os produtores aumentam a produção.”
Várias empresas, incluindo a Lindt & Sprüngli e a Hershey, não excluíram novos aumentos de preços dos seus produtos, segundo a Bloomberg. “Algumas empresas estão a mudar de ingredientes naturais para artificiais”, explica Judith Ganes, fundadora e presidente da J. Ganes Consulting, que acompanha o mercado há mais de três décadas. “Ou, em alternativa, estão a reduzir o tamanho dos seus produtos.