Arco-Íris vai a votos na maior incerteza pós-apartheid

A África de Sul, a maior economia do continente, vai amanhã, quarta-feira, dia 29, a votos, naquelas que são já consideradas as eleições mais renhidas dos últimos 30 anos de democracia multirracial.
De acordo com a Comissão Eleitoral Independente (IEC), cerca de 1,6 milhões dos 27,6 milhões de eleitores foram autorizados a votar mais cedo. Ontem e hoje, os agentes eleitorais irão visitar 624.000 pessoas com problemas de mobilidade em casa, enquanto os trabalhadores que desempenham profissões essenciais irão às assembleias de voto dois dias mais cedo do que a população em geral.
Amanhã, quarta-feira, dia 29, o resto do país será chamado a votar nas 6ª eleições gerais, pós-apartheid. A votação poderá constituir um ponto de viragem histórico se, de acordo com as sondagens, o Congresso Nacional Africano (ANC), no poder, perder pela primeira vez a maioria absoluta no parlamento.
Efectivamente, nunca como agora, o ANC teve tantas probabilidades de não chegar à maioria. As sondagens sugerem que a percentagem de votos do ANC pode descer até 40%, em comparação com 57,5% em 2019, o que forçaria o partido a uma coligação instável com os rivais e exporia o Presidente Cyril Ramaphosa a um desafio de liderança.
‘Faremos mais e faremos melhor’
O último fim de semana serviu para os principais partidos jogarem as últimas cartadas da campanha. Os apoiantes do ANC reuniram-se num estádio de futebol em Joanesburgo, no sábado, para ouvir um discurso de Ramaphosa e dos principais líderes do partido.
Perante milhares de apoiantes trajados com as cores preta, verde e amarela do ANC, Ramaphosa reconheceu algumas das queixas dos sul-africanos, que incluem elevados níveis de pobreza e desemprego que afectam principalmente a maioria negra do país.
“Temos um plano para dar mais emprego aos sul-africanos”, afirmou Ramaphosa. “Ao longo desta campanha, nas casas do nosso povo, nos locais de trabalho, nas ruas dos nossos townships e aldeias, muitos dos nossos cidadãos contaram-nos as suas lutas para encontrar trabalho e sustentar as suas famílias. Estamos conscientes disso”, referiu, citado pela Agência France Press (AFP).
Ramaphosa foi aplaudido quando se comprometeu a não acabar com os programas de capacitação económica destinados aos negros e sugeriu um possível aumento dos subsídios para os pobres. “Faremos mais e faremos melhor”, disse o ex-empresário milionário de 71 anos à multidão, classificando o ANC como “o único partido político em toda a África do Sul que pode reunir tantas pessoas num só lugar. Reunimo-nos aqui com as esperanças e aspirações de milhões de pessoas”, disse. “O nosso povo vai decidir se o nosso país continua a avançar com o ANC para um futuro melhor ou se regressa a um passado assombroso.”
Oposição fragmentada apela fortemente à mudança
O principal partido da oposição, a Aliança Democrática (DA, sigla em inglês), preferiu realizar, no domingo, o derradeiro comício no seu bastião, a Cidade do Cabo, a segunda maior cidade da África do Sul. O seu líder, John Steenhuisen, discursou enquanto os apoiantes, vestidos com as cores azuis do DA, erguiam
guarda-chuvas azuis. “Democratas, amigos, estão prontos para a mudança?” disse Steenhuisen. A multidão gritou “Sim!”
O comício de domingo coincidiu com o do Partido da Liberdade Inkatha (IFP, sigla em inglês), também da oposição, que tem como reduto a populosa província de KwaZulu-Natal e se comprometeu a trabalhar com a DA.
Recorde-se que uma coligação entre o DA e outros partidos, incluindo a Aliança Patriótica, no município de Joanesburgo, após as eleições autárquicas de 2021, foi desfeita, devolvendo o poder a uma coligação liderada pelo ANC e resultando em animosidade política entre os dois partidos.
Falando antes de seu comício final na cidade de Richards Bay, em KwaZulu-Natal, no domingo, o líder do Partido da Liberdade Inkatha, Velenkosini Hlabisa, disse que seu principal objectivo era ver o ANC fora do poder. “O IFP está a fazer campanha para retirar o ANC do poder e tornar-se parte do governo a nível de elaboração de políticas e também reduzir o ANC para menos de 50% a nível nacional. Apelamos aos sul-africanos para que votem no IFP para remover este governo que fracassou”, disse Hlabisa, adiantando que as negociações ocorrerão após a divulgação dos resultados. Hlabisa destacou o desemprego, a pobreza, o crime e a crise de eletricidade do país como alguns dos principais problemas que os sul-africanos enfrentam. “Todos conhecemos a crise que estamos a enfrentar, todos conhecemos a profundidade da luta na África do Sul e o drama diário que tantas pessoas sofrem. O que o país precisa de ouvir é que há uma saída”, afirmou.
Por sua vez o partido dos Combatentes da Liberdade Económica (EFF, sigla em inglês), de extrema-esquerda, realizou o seu último comício na cidade de Polokwane, no norte do país, terra natal do líder Julius Malema. “O povo da África do Sul tem de decidir se quer emprego ou continuar no desemprego”, disse Malema.
Zuma uma pedra no sapato do ANC
O novo partido uMkhonto we Sizwe (MK) – a mesma designação do braço armado do ANC durante o apartheid –, fundado pelo antigo presidente sul-africano e ex-líder do ANC, Jacob Zuma, também esteve em campanha num município nos arredores da cidade de Durban, na costa leste do país, embora Zuma não tenha participado no evento. Zuma, de 82 anos, abalou a política sul-africana quando anunciou, no final do ano passado, a sua saída do ANC e a criação de um novo partido, o MK, entrando em rota de colisão com o presidente Cyril Ramaphosa.
Zuma foi impedido de se candidatar ao Parlamento nas eleições devido a uma condenação penal anterior, mas o MK continua a poder utilizar a sua imagem como líder e ele continua a fazer campanha. A sua filha, Duduzile Zuma-Sambudla, participou no comício de domingo, onde os seguidores do MK entoaram cânticos como: “Foge, Ramaphosa, foge”.