África recruta 40% das crianças-soldado do mundo

A investigadora Naomi Haupt, do Instituto de Estudos de Segurança (ISS, sigla em inglês), apresentou um relatório sobre a população de crianças-soldado no mundo. De acordo com o documento, África alberga 40% da população mundial de crianças-soldado, estimada em 250.000 pelas Nações Unidas, presentes principalmente em Moçambique, República Democrática do Congo (RDC) e Sahel.

“Metade dos países que recrutaram crianças para conflitos armados estão em África”, adiantou, citado pela agência Lusa, Haupt, no âmbito de uma entrevista sobre o “Dia Internacional contra o Uso de Crianças-Soldado”, que se assinala esta quarta-feira, dia 12.

Segundo a especialista, “os países africanos envolvidos incluem Moçambique, a República Democrática do Congo (RDC), a Nigéria, o Mali, a Somália, o Sudão do Sul, o Sudão, a República Centro-Africana e os Camarões.”

Cabo Delgado é zona de recrutamento

Estas crianças “são utilizadas para uma variedade de funções nos conflitos armados, consoante o grupo que as recruta, nomeadamente para combate, como mensageiros, como escravos sexuais, entre outros”, declarou. As funções executadas podem ser perigosas e implicam frequentemente graves abusos físicos e psicológicos, lamentou.

Na província moçambicana de Cabo Delgado, no Norte, “os militantes islâmicos aumentaram drasticamente o recrutamento de crianças como soldados”, indicou.

Devido às acções fundamentalistas islâmicas, o recrutamento de crianças-soldado aumentou acentuadamente no Sahel e países como o Mali e o Burquina Faso – onde a insurreição terrorista quintuplicou o recrutamento de crianças -soldado só em 2024 – foram especialmente afectados, ao lutarem contra filiados da Al-Qaeda e do Estado Islâmico, revelou a fonte.

No Sudão, esta tem sido uma questão persistente, que piorou notavelmente com o início do conflito entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF, sigla em inglês) e as Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), a 15 de Abril de 2023. “O recrutamento de crianças-soldado tem sido um problema de longa data no Sudão, especialmente em regiões propensas a conflitos como o Darfur e o Cordofão, mas a guerra veio agravar o problema”, lamentou.

As SAF e as RSF têm sido acusadas de recrutar crianças, através da coerção, medo e promessas de bens materiais, numa conjuntura em que a guerra faz com que faltem as condições mais básicas de vida, salientou. “Em Setembro de 2023, as SAF entregaram 30 crianças-soldado ao Comité Internacional da Cruz Vermelha. No entanto, o recrutamento continua, com relatos de jovens de apenas 14 anos envolvidos no conflito”, frisou.

Já o vizinho Sudão do Sul tem igualmente registado recrutamentos de crianças. “A ONU verificou 152 casos de recrutamento de crianças em 2023, o que indica uma tendência ascendente”, disse a investigadora.

Sudões, RDC e Etiópia países críticos

No entanto, o Governo do Sudão do Sul, em colaboração com as Nações Unidas, tem trabalhado activamente para resolver esta questão, indicou.

O recrutamento de crianças-soldado em zonas rurais ou campos de refugiados na RDC, aumentou significativamente nos últimos anos, em especial no leste do país, que enfrenta actualmente uma guerra entre o grupo terrorista Movimento 23 de Março (M23), apoiado pelo Ruanda, e o exército democrático-congolês.

Já na Nigéria, este problema é mais significativo no nordeste, onde o grupo terrorista Boko Haram, entre outros, se encontra activo. “Desde 2009, mais de 8.000 crianças foram recrutadas por vários grupos armados, em que são frequentemente forçadas a desempenhar papéis de combate, utilizadas como espiões ou mesmo como bombistas suicidas”, disse.

Para a Etiópia, este é um problema que se destaca em Oromia e Amhara, onde “investigações revelaram que as autoridades e as forças de segurança regionais têm recrutado crianças à força para cumprir as quotas de recrutamento militar, tendo sido encontradas crianças com apenas 11 anos de idade em campos temporários, a serem preparadas para o treino militar”, frisou.

“A Comissão Etíope dos Direitos Humanos documentou numerosos casos de crianças detidas arbitrariamente e pressionadas a alistarem-se nas forças armadas, o que constitui uma clara violação das leis nacionais e internacionais de proteção dos direitos das crianças”, salientou.

Apesar dos esforços globais para aumentar a idade mínima de recrutamento para grupos armados, África continua a ser a região mais activa no recrutamento de crianças-soldado, concluiu.

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