A Guiné e Cabo-Verde no centenário de Amílcar Cabral
Assinala-se hoje, quinta-feira, dia 12, o centenário natalício de Amílcar Cabral, a figura que liderou a luta pela libertação dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, assassinado antes de concretizar o sonho de ver estes países livres. Cabral está ao nível dos melhores que o continente produziu.
A Deutsche Welle (DW) ouviu diversos analistas da realidade dos dois países que são unânimes em afirmar que os ideais e tudo o que foi preconizado por Cabral estão longe de ser postos em prática pela actual geração.
Segundo uma lista elaborada por historiadores para a BBC, Amílcar Cabral foi considerado o segundo maior líder do século XX. Assassinado no dia 20 de Janeiro de 1973, aos 48 anos, o ideólogo das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde faria, esta quinta-feira, cem anos de vida.
Na Guiné-Bissau, a sociedade, assim como os campos académico e político, mobilizam-se para assinalar o dia, considerado “único” por defensores das ideias “cabralistas”. O governo guineense concedeu dispensa aos funcionários públicos por ocasião da data natalícia daquele que, em comunicado, foi referido como o “saudoso líder”.
O que resta dos seus ideais
Nos seus escritos e mensagens deixadas ainda em vida, Amílcar Cabral estabeleceu várias metas, nomeadamente o desenvolvimento e o bem-estar dos povos guineense e cabo-verdiano. No entanto, em relação à Guiné-Bissau, o professor universitário William Gomes Ferreira não tem dúvidas ao comparar a realidade actual do país com o que sonhava Cabral.
“Se olharmos para a nossa realidade político-social, percebemos que houve uma regressão monstruosa em relação aos ideais de [Amílcar] Cabral. O que se vive hoje na Guiné-Bissau não tem absolutamente nada a ver com o bem-estar que Cabral almejava para o povo da Guiné-Bissau”, afirma.
Vários estudiosos consideram que nenhum aspecto da vida sociopolítica e cultural da Guiné-Bissau escapou ao pensamento de Amílcar Cabral. Como engenheiro agrónomo de formação, Amílcar apostava na agricultura, que definia como a base do desenvolvimento da Guiné-Bissau, incutindo nas populações das zonas libertadas a cultura de lavoura e a produção agrária.
No entanto, segundo o jornalista Bacar Camará, um dos maiores erros do país foi não dar continuidade à linha traçada por Amílcar Cabral em relação à agricultura. “Após a independência, o país enveredou pela industrialização e não tinha uma sociedade preparada para adquirir os produtos decorrentes das indústrias, nem tinha a capacidade para sustentar essas indústrias. Todas essas indústrias foram mal geridas e acabaram por ir à falência. Mas Amílcar tinha uma outra perceção e visão, ao apostar no sector primário”, destaca Camará.
O sonho adiado
O jornalista realça ainda o espírito democrático de Amílcar Cabral. “Amílcar Cabral exigia a realização de eleições dos órgãos do partido e nas zonas libertadas, para a ocupação de
diferentes postos que, na altura, se estabeleciam como a base de um Estado. Ele não representa apenas um nacionalista e pan-africanista, mas também um democrata”, sublinha.
A sanidade da democracia, o Estado de Direito e o bem-estar da população da Guiné-Bissau continuam a ser questionados. Quase meio século depois da sua independência, o país ainda não se estabilizou e enfrenta dificuldades em diversos setores.
Para o professor William Gomes Ferreira só há uma saída: é preciso repensarmos Cabral e é necessário que as pessoas estudem de verdade e a fundo o pensamento de Amílcar Cabral. Só a partir de uma compreensão genuína é que se poderá traduzir esse pensamento no desenvolvimento dos povos da Guiné-Bissau e Cabo Verde”, concluiu.