Uma “imperativa” mudança na continuidade – Adebayo Vunge

Estamos já a viver a ressaca dos resultados eleitorais, que por sinal condizem grandemente com aquilo que era a minha expectativa, enunciada no meu recente texto publicado nesta coluna com o título “prognósticos e tendências”

Por Adebayo Vunge

Estamos já a viver a ressaca dos resultados eleitorais, que por sinal condizem grandemente com aquilo que era a minha expectativa, enunciada no meu recente texto publicado nesta coluna com o título “prognósticos e tendências”. E não era o único. O jornalista Victor Silva escreveu um texto similar no jornal português “Jornal de Negócios”, onde defendeu também uma abertura para um maior diálogo social e político: “Angola necessita de um pacto nacional envolvendo toda a sociedade”.

No fundo, chamemos pacto de regime ou o que quisermos, mas é indubitável o quão importante é que haja algum entendimento político abrangente, assumido ou não, com envolvimento dos partidos políticos, especialmente entre os dois principais, MPLA e UNITA em algumas questões estruturantes e, potencialmente, ao mesmo tempo, fracturantes. Em tais questões, identifico por exemplo a urgência da realização de eleições autárquicas. Obviamente, tal entendimento deve ser num quadro nacional, de respeito pelas instituições e, como não poderia deixar de ser, de respeito pelos resultados finais das Eleições Gerais de 24 de Agosto, anunciados pela Comissão Nacional Eleitoral, sendo que, pelos quase finais resultados, é apontado o MPLA como vencedor destas eleições, com realce ao facto de não ter sido vencedor no círculo eleitoral de Luanda. O que se passa em Angola não é singular. Noutros países sucederam situações similares.

O anúncio dos resultados eleitorais está a gerar uma grande tensão política e social, fazendo ressuscitar em muitos de nós o trauma pós-eleitoral de 1992 e parece que o que acende o mote desta vez é a vitória em Luanda. Isso faz reforçar a ideia que, nesses tempos novos, as autarquias são uma inevitabilidade e considero que pode até se tornar num trunfo político eleitoral para o MPLA em 2027 ao mesmo tempo que ajudará a aliviar a pressão que a UNITA sofre hoje do seu próprio eleitorado que tanto anseia ver o seu partido como actor de governação. Surge também uma nova discussão sobre o timing certo para as eleições autárquicas. Se adoptarmos a lógica de eleições de mid-term, poderão ocorrer perfeitamente entre 2023 e 2024.

Rafael Marques a este respeito é mais pragmático: “Se uma parte desses resultados se deverá traduzir na mudança de algumas políticas e atitudes do Governo e outras no reforço do escrutínio e da actividade da oposição na Assembleia Nacional, algo deve acontecer de imediato e com efeito directo na vida das populações. Esse algo é a marcação de eleições para as autarquias no mais breve período de tempo, idealmente já em 2023”. Para além do impacto em termos de governação, proximidade e participação directa dos cidadãos, as autarquias podem ser um tubo de escape para o impasse em que nos encontramos.

De qualquer modo, as eleições, o seu resultado e a mensagem subjacente a este, obrigam-nos a uma reflexão profunda para perceber os anseios da população, especialmente da juventude que se vê impactada com certas dificuldades como o desemprego e consequente pobreza, o que obriga uma reflexão profunda por parte do Partido MPLA que mesmo sendo o vencedor das últimas eleições acaba por ser muito pressionado pelo seu resultado.

O MPLA, mesmo vencedor, já dizia anteriormente, tem responsabilidades históricas e o sabor agridoce destas eleições obriga a que se reinvente. “Reculer pour mieux sauter”, diz um ditado francófono. E, se Luanda não é o país, a verdade é que os resultados de Luanda são o toque de um sino que nos diz muito, aliás diz tudo. Fingir que está tudo bem para não ter problemas, agindo como a avestruz, não é mais o caminho. E o exercício da autocrítica deve trespassar todas as estruturas do “M”, com consciência clara de que a grande empáfia e arrogância no trato de alguns dirigentes e militantes podem levar o partido a oposição em 2027. Por outro lado, acho justo olhar para o impacto da boa governação. E falo disso olhando para os exemplos do Bié, Namibe, Huíla e Benguela. É verdade que eu sempre acreditei numa vitória do MPLA e no crescimento natural da UNITA e daí que este resultado não constitua, para mim, qualquer surpresa. A surpresa maior é a configuração que assumem os “partidecos” com a estrondosa queda da CASA-CE.

Mas os resultados e as actas que foram postas a circular demonstram isso mesmo. A coligação liderada por Manuel Fernandes é outro dos grandes derrotados. Em sentido contrário, a FNLA sob a liderança de Nimi a Nsimbi é a grande vencedora e a “mama” Bela Malaquias e o seu PHA, a grande surpresa. Pensando numa Angola para o futuro, o “M” tem agora a obrigação de avançar com novos métodos, novas soluções e novas equipas. Claramente, Luanda tem de ser repensada. Por um lado, fala-se muito no modelo de governação da cidade ao mesmo tempo que se aponta a sua extensão territorial e a influência nociva do centralismo, havendo quem defenda uma divisão da província em duas, por causa da sua componente demográfica e funcional. Por outro lado, há os que defendem que seja ressuscitado o projecto de zona metropolitana que há alguns anos vinha sendo defendida.

A protecção social das camadas mais desfavorecidas, a priorização das infra-estruturas em função das reais necessidades e não das conveniências burocráticas, o papel da comunicação social e institucional são outros dos temas que devem merecer uma reflexão, no sentido de avançarmos para uma sociedade progressista, onde a educação, como tanto refere Raimundo Salvador, citando Paulo Freire, seja libertadora. O MPLA não deve mais ter medo da transição geracional, como vemos repetidamente acontecer, levando avante a aposta em jovens do calibre de Adão de Almeida e Vera Daves de Sousa que são exemplos magníficos e dos quais vale a pena replicar.

Finalmente, é mister reconhecer que Adalberto Costa Júnior ganhou pontos certos nessas eleições. Colheu os frutos de se juntar a Abel Chivukuvuku que trouxe consigo os 10 por cento do eleitorado habitualmente da CASA-CE e reforçou grandemente a pujança da UNITA junto do eleitorado, especialmente entre os mais novos, conseguindo um número histórico de deputados na futura Assembleia Nacional. Na verdade, o que alguns também acreditam é que o voto não é necessariamente na/da UNITA mas no cartão amarelo-alaranjado que é dado ao MPLA, igualmente prejudicado pelo largo número de abstenções tendencialmente das suas hostes.

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