Missão de paz africana dificilmente registará algum sucesso

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, classificou como “histórica” a viagem dos líderes africanos à Ucrânia e à Rússia, na semana passada, descrevendo-a como “a primeira vez que líderes africanos efectuaram uma missão de paz fora do continente.”

Este optimismo, no entanto, não é comungado por muito observadores, uma vez que nenhuma das partes em conflito concordou com o início de conversações de paz. Muitos deles acham que a viagem foi apenas uma tentativa de Ramaphosa para obter protagonismo na cena mundial, desviando as atenções dos problemas crescentes na África do Sul.

A viagem, que foi anunciada no mês passado e liderada por Ramaphosa, tinha a esperança de contribuir para o fim da guerra, que tem afectado gravemente o nível de vida em África. A delegação da África do Sul, do Egipto, do Senegal, do Congo-Brazzaville, das Comores, da Zâmbia e do Uganda, que se encontrou com as dois líderes em conflito, apresentou uma proposta de 10 pontos, incluindo o reconhecimento da soberania da Rússia e da Ucrânia e a continuação das exportações de cereais sem entraves. Apelaram também ao cessar dos combates e ao início urgente das negociações, à libertação dos prisioneiros de guerra e a um maior apoio humanitário, entre outros pontos.

Tanto a Rússia como a Ucrânia concordaram em manter o compromisso, disse a África do Sul, mas no sábado o presidente russo Vladimir Putin pareceu rejeitar grande parte do plano. A Ucrânia também se mostrou indiferente.

O conflito tem provocado uma escassez de cereais e de fertilizantes em muitos países africanos, que importam estes tipo produtos da Ucrânia e da Rússia. A situação levou a um aumento dos preços dos alimentos em todo o mundo, especialmente em África. O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) afirma que a guerra é directamente responsável pela escassez de cerca de 30 milhões de toneladas de cereais no continente.

O presidente Putin tem ameaçado não renovar o acordo que permite que os navios ucranianos com destino a África passem por portos controlados pela Rússia no Mar Negro. Não é a primeira vez que Putin ameaça fazer isto, mas se o fizer desta vez, poderá agravar a escassez de alimentos no continente, que os líderes africanos querem evitar a todo o custo. Embora seja improvável que Putin cumpra a sua ameaça, porque precisa dos países africanos do seu lado para evitar o isolamento diplomático.

A par da sensibilização internacional para o impacto económico que a guerra teve no continente, os líderes africanos foram confrontados com novos apelos à condenação da invasão.
Zelensky defendeu que a condenação de Moscovo era necessária para enviar uma mensagem clara ao povo russo de que o seu isolamento na cena internacional era o resultado da invasão da Ucrânia pelo seu presidente.

Tanto o Uganda como a África do Sul, são vistos como alinhados de Moscovo. No mês passado, o embaixador dos EUA acusou a África do Sul de violar a neutralidade e de fornecer armas à Rússia, violando o seu estatuto de não-alinhado. A África do Sul apressou-se a negar o facto.
Também não está claro se a África do Sul entregará Putin ao Tribunal Penal Internacional, caso este visite o país durante a próxima cimeira dos Brics, agendada para Agosto.

O principal objetivo da missão africana era ajudar a reforçar a defesa de uma solução diplomática negociada para a guerra na Ucrânia e, nesse aspeto, não foi um sucesso. Tanto a Ucrânia como a Rússia reiteraram, antes e depois da missão de paz em África, que não se sentariam à mesa das negociações sem determinadas condições prévias.

A Ucrânia pretende que as suas fronteiras sejam restabelecidas tal como eram em 1991. Isso significaria que a Rússia se retiraria de todos os territórios que ocupou na última década, incluindo a península da Crimeia. O Kremlin opõe-se profundamente a esta ideia, argumentando que, para que as negociações se realizem, Kiev teria de aceitar a “nova realidade territorial” do seu país. Contudo, O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou na segunda-feira que as conversações com a delegação africana iriam continuar.

Apesar de não ter conseguido reunir os dois lados do conflito, Ramaphosa argumenta que a sua delegação abriu a porta a futuras conversações.

Tendo em conta os problemas que enfrenta no seu país, incluindo infra-estruturas em acentuada degradação, com constantes apagões de energia e um descontentamento crescente com o seu governo, Ramaphosa tem tentado obter uma vitória na cena internacional. Mas, Infelizmente, para ele, esta missão de paz não lhe proporcionou essa vitória.

Notícias relacionadas
Comentários
Loading...