Filme dá voz aos “silêncios” na História luso-moçambicana

Vanessa Rodrigues, documentarista e professora universitária em Portugal, fez-se às estradas de Moçambique em Julho para recolher testemunhos e dar voz a silêncios através de um documentário de reflexão crítica sobre a história dos dois países.
“Surge de uma herança cultural, a herança dos soldados portugueses que foram para países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, para fazer uma guerra, na qual muitos deles não acreditavam. E eu herdei, em certa medida, essa história do meu tio e padrinho Joaquim Sequeira Ferreira, que esteve destacado em Cabo Delgado [Norte de Moçambique] entre 1970 e 1972”, começa por explicar à Lusa, em Maputo, Vanessa Ribeiro Rodrigues, realizadora do documentário “Feitiço de Areia”.
O filme começou a ser rodado no dia 11 de Julho, por uma equipa luso-moçambicana, conta com o financiamento do Instituto do Cinema e do Audiovisual e o apoio do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, tendo passado, em milhares de quilómetros por terra, água e mar, por Nampula, Ilha de Moçambique e Pemba, até chegar a Maputo, na recolha de testemunhos intergeracionais sobre os conhecimentos da luta pela libertação, da guerra colonial e os activismos contemporâneos.
“À medida que vou escutando estas histórias de guerra, vou percebendo o que é que significa ter sido um soldado português destacado em Cabo Delgado. Essas memórias ganham a forma de uma reflexão crítica que me apercebo que não fiz na escola (…) do que é que significaram os crimes de guerra, o que é que significou um país que oprime o outro, o que é que significou, por exemplo, soldados com 19, 20 anos que são destacados para ir para uma denominada guerra”, aponta.
Nessa compreensão, os aerogramas, as fotografias e os slides desse período “ganham a forma de uma espécie de narrativa única que é hegemónica”, que, defende, “ainda existe em Portugal”, através do silêncio.
“Na minha perspectiva, é preciso encontrar que silêncios são esses. Porquê? Porque quando sentei o meu tio a primeira vez para contar a história, tudo aquilo que ele me dizia em forma de alguma revolta – alguma angústia por um passado no qual não acreditava, ele ficou ferido, está vivo, sobreviveu, poderia não ter sobrevivido como muitos soldados portugueses – eu percebo que quando a câmara se liga, ele não conta a história. Há silêncios”, recorda.
“Então eu venho à procura desses silêncios em Moçambique. Essas outras narrativas, essas outras vozes que a história do meu país não me conta. Essas vozes que são intergeracionais, são vozes do quotidiano, são vozes de jovens, são vozes de ex-combatentes, são vozes de pessoas que também fizeram parte de uma guerra, mas pela soberania do seu país, pela luta da libertação”, acrescenta.
Assim, em Moçambique, no terreno, a tarefa foi só uma: “Vim escutar”.
“Não vinha com nenhuma agenda pré-definida, de quem seriam as pessoas entrevistadas. Foram surgindo no caminho, à medida que nós chegámos (…) e nós não nos conhecemos. A primeira vez que nós falamos é quando a câmara se liga. Essa é uma diferença. A câmara é usada como um dispositivo, é aquela pessoa a falar com a Vanessa, olhando para a câmara”, sublinha a autora, sobre os 23 entrevistados “com histórias para contar”.