Invasão russa da Ucrânia continua a dividir os países africanos
Um ano após a Rússia ter invadido a Ucrânia, a opinião, entre os países africanos, sobre a guerra parece não se ter alterado muito.
Na última, quinta-feira, dia 23, trinta países – apenas mais dois do que no ano passado – votaram a favor de uma resolução da Assembleia Geral da ONU que condenava a Rússia, apoiava a integridade territorial da Ucrânia e apelava à paz.
Madagáscar e o Sul do Sudão, que se abstiveram ambos numa resolução semelhante no ano passado, votaram a favor desta vez. Marrocos, que também não votou em 2022, desta vez votou a favor da resolução.
As nações africanas foram responsáveis por quase metade das abstenções. O Gabão, que alterou o seu voto, deixando de ser a favor da resolução pró-Ucrânia no ano passado, foi dos 15 países africanos que se abstiveram.
Oficialmente, estes países dizem que a sua posição não está alinhada nem com a da Rússia nem com a da Ucrânia, apoiada pelo Ocidente.
Apesar de um aumento do envolvimento e das visitas de altos funcionários de países ocidentais, bem como de ministros dos negócios estrangeiros ucranianos e russos durante o ano passado, a sua posição não se alterou.
Na véspera da última assembleia da ONU, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, falou com o seu homólogo ugandês, Yoweri Museveni, mas essa intervenção de última hora acabou por não influenciar a votação deste país. A Namíbia, que acolheu na semana passada a primeira-dama dos EUA, Jill Biden, na sua primeira viagem a África, também não se deixou influenciar.
“Não é como carregar num interruptor de luz”, disse o Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, ao “The Atlantic”, reconhecendo o desafio diplomático que o Ocidente enfrenta para que os países africanos apoiem a Ucrânia na guerra com a Rússia. Blinker, todavia, manifestou optimismo, a afirmar que a África do Sul – que actualmente a efectuar exercícios militares conjuntos de 10 dias com a China e a Rússia em seu território – estava a fazer “uma lenta trajectória” para se afastar da Rússia.
As autoridades sul-africanas negaram imediatamente que os exercícios militares tivessem sido provocatoriamente marcados para coincidir com o primeiro aniversário da invasão russa da Ucrânia, em 24 de Fevereiro.
Porque os laços com a Rússia são fortes em algumas partes de África
Alguns países africanos tiveram uma relação de décadas com a União Soviética. Após o seu colapso, em 1991, os laços prosseguiram com a sua sucessora natural, a Rússia, com muitos líderes independentistas africanos a afirmar que os fornecimentos de armas e o treino militar eram fundamentais para ajudar na luta contra o domínio das minorias brancas e o colonialismo.
Na África do Sul, durante a luta contra o apartheid, o governo dos EUA designou o Congresso Nacional Africano (ANC) – actual partido no poder – como um grupo terrorista. Apesar de ter ganho um Prémio Nobel da Paz em 1993, juntamente com o último líder do apartheid, Frederik de Klerk, e de se ter tornado o primeiro presidente negro do país de 1994 a 1999, Mandela permaneceu na lista de vigilância do terrorismo dos EUA até a mesma ser revista, em 2008.
Infelizmente, os Estados Unidos foram demasiado solidários para com o regime do apartheid, para que a história se apague do dia para a noite”, disse Blinken ao “The Atlantic”.
Mas o passado colonial não explica inteiramente a relação actual, pelo menos para alguns países. Nações como a Eritreia e ultimamente o Mali – ambas largamente isoladas da comunidade internacional – encontraram na Rússia um aliado. Estes países, recentemente visitados pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, votaram ambos contra a resolução pró-Ucrânia da ONU.
Também os líderes militares do Mali ordenaram, no ano passado, que todas as tropas francesas abandonassem o país, e convidaram o Grupo de mercenários russos Wagner a substituí-las para ajudar a combater a insurreição islamista no país.
Sete outros países africanos – Senegal, Tanzânia, Guiné-Equatorial, Burquina Faso, ESwatini (ex-Suazilândia), Guiné-Bissau e Camarões – não expressaram qualquer sentido de voto. Os três primeiros abstiveram-se no ano passado.
Não é possível generalizar a reacção e o sentimento de um continente com mais de 50 países. Cada um tem as suas próprias razões para votar desta ou daquela forma. E, embora o voto não seja juridicamente vinculativo, continuará sem dúvida a moldar alianças geopolíticas nos próximos tempos.