Greve geral na Função Pública pode desorganizar todos sectores da vida do país
As principais centrais sindicais do país, nomeadamente a UNTA-Confederação Sindical e a Central Geral dos Sindicatos Independentes e Livres de Angola assumem a pretensão de fazer uma declaração de greve geral na função pública para o mês de Dezembro. A entidade empregadora (MAPTSS) entende a atitude como sendo “chantagista e aceitá-la pode tornar o acto uma prática”.
O economista Augusto Mateus entende que o móbil das “ameaças” de greve em Angola, nos últimos anos, tem sido o melhoramento das condições de trabalho e a consequente perda do poder de compra dos salários.
Quando assim ocorre, sugere, a entidade patronal, no caso o Estado, deve procurar resolver as inquietações dos trabalhadores.
O especialista alerta que uma possível greve geral significaria paragem na produção de bens e serviços.
Quando prolongada reduz a produção nacional e passa a haver menos para distribuir e, consequentemente, deteriora a qualidade de vida das famílias.
Para Augusto Mateus, é científico que a economia cresce quando os factores de produção, como capital e trabalho, estão em pleno funcionamento.
Logo, se os trabalhadores fizerem uma paralisação total, como “ameaçam”, antevêse um decréscimo da economia do país, que por sinal já produz pouco.
O economista referiu ainda que, no caso da função pública, uma greve geral, além desse sector deixar de agregar valor à economia, desorganizaria todos outros sectores da economia e os tornaria também menos produtivos.
Segundo o especialista, “as greves são normais, os sindicatos são órgãos de pressão e uma greve geral é uma forma de pressão para o interesse da classe que representa”.
Relativamente à proposta de aumento salarial na ordem de 250%, Augusto Mateus mostrou-se dividido.
Alega ser normal, mas espera que o Estado saiba negociar e provar com números e acções a razão da falta de capacidade.
Por outro lado, a fonte entende não ser função dos sindicatos fazer as contas do Estado, mas devem apresentar as dificuldades que a classe vive.
“Se, por um lado, é justo apresentar uma proposta de 245 mil kwanzas para salário mínimo nacional, porque querem a reposição do poder de compra dos seus salários que foram drasticamente corroídos pela inflação, por outro lado, penso não ser realista a proposta, tendo em conta os baixos níveis da produção nacional”, destacou o economista.
A pretensão
Caso o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) não atenda na íntegra, até Dezembro, os oitos pontos do memorando assinados com os sindicatos em 2018, estes ameaçam paralisar o país com a declaração de uma greve geral na função pública.
Numa altura em que o Executivo já trabalha na elaboração do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o exercício económico 2024, as forças sindicais, em bloco, desconfiam que o cronograma assumido para a resolução cabal das preocupações, até Dezembro, pode não ser respeitado.
Segundo o secretário-geral da Federação dos Sindicatos da Administração Pública, Saúde e Serviços de Angola (F.S.A.P.S.S.A), Custódio Cafussa, em declarações recentes à imprensa, dos oito pontos do caderno reivindicativo submetido ao MAPTSS apenas um está a ser tratado.
Trata-se do aumento salarial dos funcionários em via de reforma. Custódio Cafussa informou, igualmente, que sobre este último ponto alguns já saíram dos 20 mil kwanzas, que auferiam anteriormente, para 300 mil kwanzas, sublinhando que os beneficiários do referido aumento representam apenas 30%, receando que a maioria, os 70%, fique excluída até o final do ano.
Os sindicatos reivindicam ainda a actualização dos salários de toda função pública, com base na taxa de inflação actual. Neste sentido, propõem um aumento de 250%.
O aumento dos subsídios de tempo de serviço e de atavio, a revisão do Salário Mínimo Nacional, dos actuais 32 mil kwanzas para 245 mil kwanzas, a isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), nos produtos da cesta básica, a redução para metade do Imposto Sobre o Rendimento do Trabalho (IRT), entre outros são os de mais pontos do caderno.
Em relação ao aumento salarial, Francisco Jacinto, secretário-geral da Central Geral dos Sindicatos Independentes e Livres de Angola, referiu que já tem defendido que não basta aumentar o Salário Mínimo Nacional, mas é preciso criarem-se condições para que este salário tenha poder de compra.
Reforçou que os sindicatos têm um acordo com o Governo, que estabelece que, anualmente, o salário mínimo tem que ser implementado com base na inflação, mas lamentou o facto de este acordo não estar a ser cumprido.
Os líderes sindicais acordaram que as negociações com o Governo devem continuar, aliás, foi uma das conclusões da segunda Reunião do Conselho Federal dos Sindicatos da Administração Pública, Saúde e Serviços de Angola.
Todavia, o líder desta federação, Custódio Cafussala, avisou que “a paciência tem limites”.
Nos últimos meses, as federações estão a promover reuniões com os seus delegados das 18 províncias, a fim de mantê-los informados sobre os próximos passos a serem dados, sendo que a possível declaração de greve foi concertada entre as centrais e deverá ser despoletada, em Dezembro, caso não se registe avanços nas negociações.
“A declaração de uma greve geral é o último recurso que resta quando a entidade empregadora não cumpre com aquilo que foi acordado”, disse Cafussala, para quem a função pública do regime geral representa a máquina do Estado e ,se for decretada a greve, o país vai parar.
MAPTSS evita chantagem para não se tornar hábito
Uma fonte do MAPTSS, contactado por este diário, disse que tem conhecimento do assunto em abordagem, mas a instituição a que pertence não vai permitir chantagem sobre o risco de se tornar prática.
A fonte, que preferiu não ser identificada, fez saber ainda que as preocupações levantadas pelos sindicatos estão a ser tratadas de forma sigilosa e internamente.
“Greves não devem prosseguir objectivos inconfessos”, alerta jurista
André Minga entende que o direito à greve está consagrado na lei e que os trabalhadores podem exercé-lo, suspendendo temporária e pacificamente a prestação de serviço ao empregador para o alcance de certos objectivos, como a melhoria das condições dos trabalhadores, segurança, higiene no trabalho e benefícios, como salários e subsídios.
Segundo ainda o jurista, nos termos da lei, a greve deve ser lícita e não prosseguir objectivos inconfessos.
Esclareceu que uma greve é legítima, desde que obedeça os pressupostos legais, como a apresentação do caderno reivindicativo, comunicação à entidade empregadora e ao MAPTSS.
O jurista chamou atenção aos promotores que, apesar de a greve ser um direito constitucional, não pode prosseguir objectivos inconfessos.
Na opinião de André Minga, a negociação e a mediação, ainda são as melhores vias para se evitar paralisações e prejuízos económicos.
O nosso interlocutor pensa que o anúncio feito sobre uma suposta paralisação geral pode ser visto como forma de “pressionar mais” o empregador, mas salienta que “não é cultura em Angola paralisar o país”.
Salário mínimo cobre apenas 25% da cesta básica
Cálculos da UNTA-CS, tendo como base que cada família angolana é composta por seis pessoas, indicam que o salário mínimo nacional, de 32 mil kwanzas e 21 mil kwanzas, para o sector da agricultura, cobre apenas 25% da cesta básica.
Importa notar que os produtos da cesta básica definidos pelo Governo em Angola são o açúcar, óleo alimentar, farinha de milho, sal, massa alimentar, farinha de trigo, arroz, leite, frango, peixe seco, sabão em barra, feijão e óleo de palma.
Salário deve dignificar socialmente o empregado
Nos últimos anos, aumentou a contestação social em Angola, com greves em diferentes sectores, sendo que mais greves podem estar à vista.
Em todas elas, a questão salarial está sempre no centro. O sociólogo Domingos Zino entende que o salário continuará a ser o enfoque nas “discussões”, entre a entidade empregadora que não pode dar mais e os trabalhadores que buscam dignidade.
Para o sociólogo na área de trabalho, o salário não tem apenas a função económica, mas, sobretudo, a social.
Reforça que o mesmo deve reflectir na dignidade humana do trabalhador e, por isso, entende que o salário deve estar acompanhado de outras componentes.
“Se entendermos o salário, enquanto dinheiro, o empregador deve proporcionar aos seus funcionários uma série de benefícios, por exemplo, a disposição de posto médico no serviço que pode apoiar também a família, transporte e até momentos de lazer”, referenciou.
Estes complementos, segundo Domingos Zino, desagravam o bolso do trabalhador que, por sua vez, se sente mais motivado, contribuindo melhor para a produtividade e evitar greves.
“É preciso olhar o salário na perspectiva económica, mas também na dignidade social de quem trabalha”, rematou o sociólogo.
Partidos políticos apelam soluções pacíficas
Os representantes de alguns partidos políticos apelam as partes a adoptarem vias pacíficas para a resolução dos problemas que ainda afligem a classe trabalhadora.
O porta-voz do PRS, Manuel Ribaia, entende que o Governo tem consciência dos problemas que os trabalhadores da função pública enfrentam.
Alega que as greves são consequência das negociações que até ao momento não têm tido nenhuma resposta positiva.
“O Governo deve ter a capacidade de satisfazer as reivindicações dos funcionários, porque as greves não surgem de noite para o dia, são problemas já antigos. É preciso que se resolvam esses problemas de modo a se evitar consequências ainda maiores”, disse. Para o político, os trabalhadores têm o direito à greve quando entenderem que as suas reivindicações não são atendidas.
Porém alerta que há greves que a própria lei impõe alguns limites, como é caso de alguns sectores públicos, como o da Saúde, das Forças Armadas e da Polícia Nacional, por exemplo, que não podem paralisar na totalidade, sob pena de causar danos ainda maiores.
Referiu que o facto de se estar a elaborar o Orçamento Geral do Estado, para o exercício económico 2024, pode estar na base dessa pretensão dos sindicatos de querem ver resolvidas as suas exigências.
“A situação social que o país vive requer um reajuste nos salários da função pública. Não faz sentido o trabalhador auferir um salário que não cobre nem a cesta básica, cujos preços sobem a cada dia que passa. É necessário que haja um equilíbrio”, avançou.
Partidos políticos não devem incitar arruaça
Manuel Ribaia sublinha, por outro lado, que os partidos políticos devem abster-se de incitar greves que resultam em actos de arruaça.
Defende que as greves devem ocorrer dentro da legalidade para a satisfação dos interesses máximos dos trabalhadores.
Para o secretário-geral da FNLA, Aguiar Laurindo, o partido vai sempre solidarizar-se com a causa dos trabalhadores angolanos, e, no que respeita à realização de uma greve total na função pública, apelou o diálogo entre as partes envolvidas para se evitar um possível colapso no próprio sector público.
“Nós esperamos que o Governo consiga atender essas preocupações dos trabalhadores no sentido de se evitar situações como estas de greve ou paralisação total dos serviços públicos, o que poderá contribuir negativamente no desenvolvimento do país e na sobrevivência dos próprios cidadãos”, concluiu.