Erdogan fortemente criticado reconhece lacunas

À medida que aumenta o número de vítimas mortais – na Turquia já são mais de 12.300 pessoas – do terramoto da passada segunda-feira que devastou o sul deste país, cresce a contestação da opinião pública local ao presidente Recep Erdogan, quando faltam três meses para as eleições presidenciais e parlamentares.

Confrontado com as crescentes críticas aos lentos e desorganizados esforços de salvamento, Erdogan, no poder desde 2003, visitou ontem, quarta-feira, a zona da catástrofe, fazendo um mea culpa. “Claro que há falhas, é impossível estar preparado para uma catástrofe como esta”, disse Erdogan, citado pela AFP, na província de Hatay, perto da fronteira síria.

Se antes do terramoto as coisas já não estavam fáceis para o Presidente, agora ficaram bem piores. A sua abordagem não convencional da economia desencadeou uma espiral inflacionista que viu os preços ao consumidor subirem 85% no ano passado. Apercebendo do perigo, o Presidente contra-atacou, encetando uma operação de charme. Assim, horas após o terramoto, discursou numa conferência de imprensa em Ancara – a primeira de muitas. Na quarta-feira, perto do epicentro do terramoto, na província de Kahramanmaras, abraçou uma mulher de luto no meio das ruínas. Depois dirigiu-se para sul, para a província de Hatay, fronteira com a Síria, onde o número de mortos é ainda mais elevado.

Avaliação da reacção à catástrofe decisiva para a reeleição
Erdogan tem bem presente que foi o fracasso das autoridades durante o último grande terramoto, em 1999, que levou o seu partido à vitória, três anos mais tarde. O então Primeiro-Ministro, Bulent Ecevit, foi fortemente criticado por ter negligenciado a prestação de socorro à população.

Desta vez, o Chefe de Estado declarou imediatamente um nível de emergência máximo, apelando à assistência internacional. O apoio de dezenas de países – incluindo rivais regionais – foi rapidamente recebido. Para os peritos, o presidente pode assim reforçar a sua posição com uma resposta à medida. “Uma resposta eficaz à emergência poderia fortalecer o chefe de estado e o seu partido, o AKP, criando um sentido de solidariedade nacional sob a liderança de Erdogan”, referiu Wolfango Piccoli da consultoria de risco político Teneo, com sede em Londres, citado pela AFP. “Se perder a resposta pós-terramoto, Erdogan pode perder as eleições de Maio”, observa Emre Caliskan, investigador do Centro de Política Externa do Reino Unido.

“Vinte anos depois, não estamos melhor”
Nas regiões mais afectadas, a frustração não para de aumentar. Na terça-feira, as famílias pobres denunciaram a incapacidade do governo em ajudá-las e aos seus familiares presos debaixo dos escombros. A analista Gonul Tol, que estava na Turquia na altura do terramoto e perdeu familiares na tragédia, sentiu que, em Hatay, a raiva era palpável. “Não acredito que ele [Erdogan] não tenha sentido o nível de frustração, de raiva. Eu vi-os com os meus próprios olhos. Tenho a certeza que terá um impacto”, disse a directora do programa da Turquia no Instituto do Médio Oriente com sede nos EUA. Segundo ela, em 1999, a sociedade civil tinha trabalhado incansavelmente para ajudar as vítimas. Mas desta vez, há menos organizações disponíveis porque o Erdogan se afundou após o golpe falhado em 2016. “Vinte anos depois, não estamos melhor”, diz Gonul à AFP. “Erdogan não só enfraqueceu as instituições do Estado, como também enfraqueceu a sociedade civil turca.”

Comunicação Social nas mãos de Erdogan
Recep Erdogan, no entanto, não enfrenta críticas da maioria dos meios de comunicação social, salientam os especialistas, o que lhe confere uma clara vantagem sobre a oposição. Os canais de notícias quase não mencionaram o impacto da má construção após o colapso dos edifícios, mesmo aqueles construídos há menos de um ano. “A oposição afirma que o elevado número de mortes não está apenas relacionado com o terramoto, mas com uma construção mal regulada e de má qualidade”, diz Emre Caliskan. Em 1999, a imprensa criticou a lentidão das autoridades, mas não desta vez. “Um grande apoio dos meios de comunicação social nacionais significa também que Erdogan irá gerir a narrativa oficial e ser capaz de tirar partido da situação”, diz Adeline Van Houtte, consultora sénior para a Europa da Economist Intelligence Unit, numa nota.

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