Filhas de Cabral dispostas a enfrentar o presidente guineense sobre a transladação dos restos mortais do pai

As filhas de Amílcar Cabral, fundador das nacionalidades da Guiné e Cabo-Verde, pretendem transladar os seus restos mortais do quartel-general do exército para o cemitério municipal de Bissau, disse ontem, à Lusa uma das filhas Indira Cabral Embaló.
A filha mais nova de Cabral, ministra da Juventude, Cultura e Desporto no Governo demitido em Dezembro pelo Presidente guineense, disse ser “inconcebível que o povo não possa ter acesso à campa do pai.”
A “gota de água”, de acordo com a filha do líder histórico da luta pela independência de Cabo Verde e Guiné-Bissau (1924 -1973), ocorreu no sábado, quando um grupo de dirigentes do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), fundado pelo pai, foi impedido de aceder às instalações da Fortaleza de São José da Amura, onde pretendia homenagear Cabral.
“Deus sabe o que faz, porque se eu tivesse estado presente quando recusaram a caravana do PAIGC de entrar na Amura, hoje estaria presa ou quem sabe até morta”, escreveu Indira Cabral Embaló numa rede social.
O grupo do PAIGC, que pretendia depositar coroas de flores no mausoléu nacional onde repousam os restos mortais de Cabral e de outros heróis guineenses, foi impedido de aceder ao local, “por ordens superiores”. “É o cúmulo proibir a entrada na Amura dos comandantes Lúcio Soares e Duke Djassi, colegas de Cabral” durante a luta armada pela libertação da Guiné-Bissau, disse à Lusa Indira Cabral Embaló.
Proibido acesso de partidos políticos
No domingo, quando prestou homenagem à memória de Amílcar Cabral, o Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, explicou aos jornalistas que deu ordens ao Estado-Maior General das Forças Armadas para não permitir o acesso de partidos políticos ao mausoléu nacional.
“Não podemos aceitar que venham cá pessoas dizer que estão a depositar coroas de flores, não podemos aceitar teatro, ou cinema aqui”, sublinhou Embaló, destacando ainda que na China os membros do Partido Comunista não costumam fazer a mesma coisa na campa de Mao Tze Tung, fundador daquele país.
O Presidente guineense disse que não vai aceitar “desordem na campa de Amílcar Cabral”, bem como dos heróis do país, e que, doravante, as homenagens naquele local só serão feitas em atos oficiais do Estado.
Transladar os restos para Bissau
Indira Cabral Embaló afirmou que ela e a irmã (Iva Cabral) farão de tudo para transladar os restos mortais de Amílcar da Amura para o cemitério Municipal de Bissau ou da Antula, nos arredores da capital guineense. “Estando num desses cemitérios, mais honra e respeito terá. Estará junto do seu povo, que tanto amou. E as pessoas que o amam de verdade poderão ir lá, livremente e sempre o homenagear”, referiu Indira Cabral Embalo.
Já Iva Cabral, historiadora e habitualmente residente em Cabo-Verde, escreveu que “é preciso libertar Cabral” da prisão da Amura.
As filhas de Amílcar Cabral prometem endereçar uma carta formal às autoridades guineenses dando conta da intenção de transladar o corpo do pai para um dos cemitérios de Bissau. “É uma intenção
que já tínhamos há muito tempo, mas que vamos retomar agora em força”, salientou Indira Cabral Embalo.